domingo, 27 de abril de 2014

João Rosa de Castro - Flores do Pântano

EU SOU O CARA!
(a Júlia e Filipe)

Hoje de manhã, a porção nômade da minha alma gritou:
De onde vim? Não vejo pai nem mãe.
A parte poeta respondeu:
Você existe como parte da terra.
A parte cientista replicou:
Você é filho da civilização.
A parte grega caçoou:
Se mata!
A parte herética disse:
Vai ser condenado por ultrajar
Aquilo em que não acredita.
A parte cristã, assustada, gritou:
Blasfêmia! Honra teu pai e tua mãe.
A parte malandra retrucou:
Mas não seria honrá-los
Fazer com que não existissem?
(matar pai e mãe de honra?)
A parte filosófica da minha alma discursou que meu pai era o meu Senhor e que minha mãe era a Língua Portuguesa – ambos demasiado imateriais para que eu pudesse “ver”.
O fator mancebo raciocinou: faz sentido, que chamamos língua-materna a primeira língua do infante. Então Chiquinha é uma máscara da língua portuguesa, assim como o meu pai sempre foi a máscara de Deus. Orfandade, pois, jamais?
O fator placebo meditou:
É! Mais ou menos isso...
O hemisfério “escravo” meditou:
Você é mau!
Mas a porção “senhor” sorriu:

Você é o cara!

domingo, 20 de abril de 2014

João Rosa de Castro - Flores do Pântano

ODE À MUSA E AO PINTOR
(a Maria Fernanda Cândido e Luis Roberval Sales)

Pensou dizer sem palavras ou cores
E em sentir com eternos louvores
E fez silêncio do brilho mais puro
Iluminando um caminho escuro.

O clarão dos matizes fugindo-me aos dedos
É que então permitiu-me saber-lhe os segredos
E o meu coração que já sangra ao vê-la
Emprestou o escarlate aos seus lábios na tela.

Ouviu canções e lembrou o passado
Agiu e agiu no que tinha atuado
Filosofou sob o céu tão aberto
Pra esperar um futuro incerto.

Esperança mantém-nos todos ligados
Essas mesmas canções eu já havia escutado.
Meu pincel transferiu-as à sua face no canvas.
Derramei no seu rosto bossas novas e sambas.

Maria sabe que nenhum espelho
Ou o produto de um aparelho
Se assemelha às cores do retrato
Que só a alma reluz, a cada traço.

E eu imagino: nem o próprio tempo
Nem qualquer tristeza ou algum desalento
Tornam esmaecidas as cores contempladas
Nem mesmo esquecida a beleza retratada.

Maria fita a sua face eterna
E então sorri a sensação interna
De que o amor reflete toda arte,
De que o amor está em toda parte.

domingo, 13 de abril de 2014

João Rosa de Castro - Flores do Pântano

A GUILHERME CRUZ

Se ao pé de ti me sinto frágil,
Como se conhecesses o meu rosto e a minha máscara,
Quero que entendas o que vivo
E este meu pedido de socorro.
Temo mais o que viria sobre ti
Depois que me houvesses açoitado,
Do que o sofrimento que carrego
Pelo destino que para mim foi escolhido.
Tu não és olhado só de baixo:
Ninguém o é: a dor é a vergonha.
Ser odiado por um crime banal,
Não caber em si mesmo,
Não poder olhar-se ao espelho,
Afastar-se do amor que se merece,
Talvez o único que resta ainda sóbrio,
Uma dor que nunca foi sentida,
Que aprofunda, mas nada embeleza,
Sentar-se num trono de lata,
Sentindo o peso da coroa corroída,
No reinado de súditos tão infames,
Ser rei assim, melhor fora um coveiro
Que realça a própria vida a cada morte.
Quisera eu fazê-lo flutuar
Behaviorista eu e tu tão móvel,
Podendo confiar-me a cada gesto
Que não nasce do sim e nem do não,
Mas do ar que partilho com as gentes
E que chega até ti por mais distante.

domingo, 6 de abril de 2014

João Rosa de Castro - Flores do Pântano

ODOR DI FEMINA

Uma mulher que pensa em trair
É frágil.
Uma mulher que fala em igualdade
De comportamentos entre os gêneros
É frágil.
Uma mulher que diz
Que ninguém é superior a ninguém,
Além de comunista,
É frágil.
Uma mulher que aparece fácil,
Que nunca se atrasa,
Que nunca dá o cano,
É frágil.
Uma mulher que troca de pênis
Só pra afetar experiência
É frágil.
Uma mulher que imita coisas masculinas,
Que faz luzes e usa perfumes amadeirados e calças,
É frágil.
É frágil a mulher que pensa
Agradar um homem só porque o imita.
É frágil a que se interessa por homens inexperientes,
Como que pra se sentir sua mestre.
A mulher que pensa que pareceria frágil
Por obedecer ao seu homem
E assim o resiste com capricho
É frágil.
As mulheres que acreditam
Existir amizade entre homem e mulher
São frágeis.
E também as que crêem
Que os gueis são seus melhores amigos
E os mais sinceros entre os mortais.

O oposto das mulheres frágeis
São estas novas revolucionárias
Que vejo a esmo
E como que numa erma multidão.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...