domingo, 31 de maio de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

SINFONIA


É já a música nascida e pronta
Que ao meu ouvido prenuncia o mundo.
Um som suave, um canto.
Eu mudo e quieto desperto.
Os dó-ré-mis insaciáveis
Misturam-se com as cores,
E o grande espetáculo interno
Ora entristece, ora alegra.
É meu coração que bate,
É outro que pulsa ao redor.
É meu corpo que estremece,
Dança, vacila e existe.

Existência tem som de música.
Existência tem cor de pássaros.
Existência é tão sabida
Que me perco logo ao dizer.
Existir coincide com tudo
que se imagina e se ouve.
A sinfonia dos fluidos
Que sintoniza os meus medos.
A sinfonia, o vibrato
Que a cada pulso me envolve
Faz-me sentir com o tempo

Pleno, porém solitário.

domingo, 24 de maio de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

CONTAGEM


Nas silhuetas coerentes
Dos tentáculos dançantes,
Viam-se coisas marítimas.
Tudo que parecia caótico:
A passada poluição táctil,
Os movimentos desordenados
Do playground doutras distâncias,
Agora não se viam.
Via eu a mim mesmo
Querido pelos tentáculos
Da minha nova casa
Acolhedora e óbvia.
Terno e envolvente agasalho,
Acariciando o semi-corpo.
O que é entregar-se?
O que é amar senão sentir-se?
Ficaram na memória dos espectadores imagináveis
As boas-vindas esplendorosas,
A soma da minha matéria
Nessa bolha tão majestosa,
Onde o sonho e o tempo
Formam uma só realidade,
Em que tudo é possível vislumbrar.
O arrepio na inspiração do oxigênio
Soprado pelo Deus a todo instante
O Deus distante e presente, embora.
Já se pode abrir os olhos
Para formar minha consciência.
Não que os toques alheios
Não tenham tido valor.
É que, na sóbria independência
Imaginária e incerta,
De nada tenho saudade.
As cores fazem tão bem
Para as minhas retinas.
As formas que se desenham
E tanto que simbolizam,
Vão assim me pertencendo
E estruturando o meu destino.
Luzes azuis e vermelhas,
Néon e lamparinas,
As variações do branco,
A gradação inerte do negro,
Tudo a preencher o olhar

Com femininas paisagens.

domingo, 17 de maio de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

PRELÚDIO


Toca todo mundo,
Toca arrumar carro,
Toca o Deus querer
Que eu seja gente.
Toca acreditar que eu preciso.
Está na hora.
Demorou! Demorou!
Toca subir, descer
Ruas e passarelas.

Eu não sei o que é isso.
Eu não vi, não vejo.
Não ouvi, não ouço.
Não senti aromas, não cheiro.
Não comi, não como.
Só senti – sou quase corpo.

O Deus explicou;
O Deus trouxe telas;
O Deus exibiu diagramas em braile
Para ir me convencendo,
Para ir-me caçando,
Para ir me-rompendo.

Toca aparecer astronautas,
Flutuando sem medo,
Cavalgando em jegues
E rinocerontes.
E espalhando poeira.
Eu sem saber,
Sem desespero,
Com desprezo, não entendia.

O Deus dizia “Demorou!”
O túnel claro e rijo de paredes
Com cerdas aparentando samambaias azuis.
Tudo era dito no silêncio dos toques.
Na boca me puseram e eu girei.
Espiral! Espiral!
O tempo é espiral!
Eu não sabia o que estava
Acontecendo no playground!

Espiral! Espiral!

Maracujá e chuchu!

O tobogã sem destino
Tinha destino em pessoa!

Espiral! Espiral!
Zona norte. Zona leste.
Passavam lugares embaixo de mim.
O túnel era longo: almost endless.
E tudo ficou para trás,
E tudo na boca distante:
A promessa,
A jura,
A mentira,
A verdade,
Os astronautas
E o Deus.
Dali a pouco eu ia ser ser.

domingo, 10 de maio de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

ILÚDIO


Sem forma e solto
Nada há que com meu corpo se identifique.
Sou uma ilusão quase binária – quanta.
Mas preciso me descrever para mim mesmo.
A invisibilidade não basta.
A sutileza não alcança o meu nome.
É preciso saber que eu me movo no espaço,
Num dado espaço.
Porém ainda não sou célula.
Por enquanto fluo nos canais
Dum adorável playground
De peças firmes e cinzentas.

Nem sempre se almeja transformar-se
Na minha condição, eu ficaria eterno e feliz.
No entanto a fatalidade me torna outra espécie
E outra espécie e outra espécie.
E a cada etapa disso que evolução chamam,
Vou-me acostumando com espécies irmãs.
Tudo, na realidade, se acomoda e adapta.
Vou vendo os símbolos ao meu redor
E, por fim, participo desse movimento involuntário.
Um caos. Um tal sentir-se cair e erguer-se de um modo cego.

Sem certeza e apto.
Em qualquer instante, ganharei outra consciência.
Uma liberdade que intensa deixa.
Eu que sucumbo e sinto.
Sentir. Rolar.
Gota de orvalho lenta na dada e limitada pelo espaço pétala.
Parece que por trás um sacudimento empurra e pára quando tento descobrir o que sacode. Eu sou sacudido.
Às vezes tenho a impressão de roçar a mesma saliência que já roçara.
Não tenho certeza alguma. Apenas desejos fortuitos.

Suspenso e malabarista fico.
Continuo numa jogação sem respirar; sem morrer, no entanto.
A presença disso, que obstáculo dizem,
Não me impede de vivenciar a abundância do
Ser
Quase nada aqui me dá orgulho e não me dá vergonha.
Deixa ver de que se preenche com coisas alheias.
Tudo de uma suave lentidão que não se vê.
Nem na paciência da compacta água que para si tudo retém.
A ordem dos acontecimentos não me cansa como pressinto vai cansar.
Por enquanto o segredo se mantém.
O futuro surge como uma rocha e se mantém.
Outras particularidades da vida vão-se achegando e me tomando também.
A mentira, a verdade. Concretamente protestando cada uma para si. Achar.
Assim, eu vivendo semi-macunaimicamente, o Deus chega.
O que acontece quando o Deus chega?
Uma proposta interessantíssima para eu ser gente.
Gente?

Gente!

domingo, 3 de maio de 2015

João Rosa de Castro - Paisagens Oníricas - Com Prefácio de Olga Maria Gonçalves

HERMETO PASCOAL




Eu queria a virtude e tive o conforto.



O sonho com escadarias de cristal
Fora mais completo do que a madrugada.



Tudo estava ali - vasos raros traçados
Com desenhos de quem vivera em paraísos.



Gravuras, quadros e esculturas
Nascidos de mãos mais distantes.



E o que eram estes instantes?



Minha negra com colares coloridos.



O perfume que o rapaz inalava e exalava,
Tanto dele para ele
Como dele para o mundo.
A natureza do que é único em cada visão.



Esta casa iluminada e pronta
Para receber príncipes: monarcas de toda estirpe.



Eu queria o calor dos gargarejos



E tive a frieza dos camarotes.



Tudo foi o sonho de que acordara.



A existência era clara como a luz do verão.



Um grito ecoava ao longe e se ouvia afoito.
Todos os habitantes da terra aguardavam



Uma fala única, e eu fingindo não me ouvir.



Optei por amarrar meu cadarço e permanecer na geral!

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...