domingo, 28 de junho de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

A DOR


Que dias completos
De solidão sem lamento!
Eu não sei-me só
Pois ouço ruídos.
Não sinto-me só
Porque a memória
Dá fotografias;
Porque as imagens
Já são companhia.
Porque os sabores
Que descem a língua,
Somada a saliva,
Transformam-me inteiro.
Que horas tranquilas
As minhas de hoje.
Cinema ligado,
Janelas abertas,
Pessoas passando,
Cidades nascendo.

Eu sinto que empurram
Meus pés em silêncio.
E o Deus aparece
Para esclarecer
O que acontece
Do lado de fora.

domingo, 21 de junho de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

O MACHO


O macho, com sua voz tão grave,
Deu um grito que acordei assustado.
Era brincadeira de assustar.
Depois contou histórias longas
Com sua presença protetora.
E eu ouvia escondido.

O macho, com sua pele rija,
Fazia-me lembrar tempos remotos.
E as risadas que eu ouvia
Desconcentravam a minha dança.
Eu atento a cada palavra do macho,
Imaginava vírgulas e travessões.

O macho, com sua lei,
Me fazia pensar que faltava muito...
O Deus dizia: “É o Pai.”
O Pai dizia: “É o Deus.”
O Pai era mais modesto que o Deus.
Fazia-se de escravo Dele.
Eu fui tendo medo do Deus.

O Pai achava o Deus bom.
O Deus achava era o Pai.
Parecia que não me queriam bem.
Eu enciumava o Deus com o Pai.
Eu enciumava o Pai com o Deus.

O Pai, com sua canção funda,
Parecia-se tanto com o Deus
Que eu não sabia mais

Quem era quem.

domingo, 14 de junho de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

TUPÃ


Se Édipo trancou-se no seu quarto,
Seu pai levou a chave consigo,
Que tenho eu com isso de repente?
Que quero tanto em vão que não consigo?

Ora,
Viver é melhor que boiar.
Não é hora ainda de mascar chiclete.
Não é tempo de birra, Tupã!
Não ore que reza rasga, Tupã!
Escarlate é o vermelho bem vestido.
Teimosia é coisa de gente nascida, Tupã!
Amarelo é uma promessa.
A cor está no princípio, Tupã!
Tudo coisa de avó cansada.

Que sinto no meu peito que não vejo?
Que mais farei aqui se estou contente?
Jocasta é toda mãe que não desiste.
Amélia é que é mulher que se contente.

domingo, 7 de junho de 2015

João Rosa de Castro - O Erê - Com Prefácio de Rosângela Rodrigues Ferreira

A DANÇA


O ensaio no flácido castelo
Para o espetáculo das gentes;
A atenção que dou a mim mesmo;
O sorriso que já confiro ao espelho;
Narciso em seu rio de solidão.
Por que não? Por que não, então?
Odes escritas aos meus olhos;
Toda espécie de arte manifesta;
Toda imaginação que flexiono
Alimenta o meu ser que cresce.

Completude tão sonhada por nascidos;
Instintos nobres no extra-terreno espaço;
Lágrimas tépidas e sinceras;
Uma saudade que acalanta;
Riqueza nos movimentos exatos;
Candura nos gestos maternais;
Conversas mudas que se cruzam:
Tudo é tão abstrato que pareço mentir.

A dança nesse morno agasalho
De uma desilusão drummondiana.
Dê uma atenção a esta cena:
A rigidez dos pés no chão de chama;

A cálida risada da mãe que ama!

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...