domingo, 24 de abril de 2016

João Rosa de Castro - O Cio da Pedra

A CHUVA

De ter amigos distantes.
De namorar no escuro.
De repensar tudo afora.
De terminar solidão.
Eu só me lembro um pouco
Para seguir ainda o tempo.
Eu, minha sina e o tempo.
Vai a alvorada dizer
Sonhos que tem em jejum.
Pois os meus sonhos tem cores
Inconfessáveis e tensas.
Ah, que saudade da infância.
Ah, que vontade tão triste
De te abraçar para sempre
E te esquecer em seguida.
Já atravessei tantas noites
E deixei Deus curioso.
E furioso o Homem.
Deixa-me agora ser simples
Pulso de vida constante.
Deixa e não peça oferenda
Pois sei de mim cada passo.
Cada desejo ou renúncia.
Deixa-me agora aqui simples.
Ordens para mim são relíquias
Que no meu coração guardo.
Aprende a ser recipiente

E te direi quanto amo.

domingo, 17 de abril de 2016

João Rosa de Castro - O Cio da Pedra

A NEBLINA

Uma consciência.
Uma atenção.
Um sorriso.
Uma casa.
Uma perspectiva.
Uma visão.
Um só olhar.
Uma única voz.
Um singelo desejo.
Um trono.
Uma coroa.
Uma reputação.
Um juízo.
Uma aquarela.
Um só relógio.
Um ticket.
Um futuro.
Uma alegria.
Uma estrada.
Um só destino.
Um só brinquedo.
Uma canção de ninar na memória.
Uma infância para assistir.
Uma relíquia.
Um mundo só.
Um horizonte apenas.
Um pulso de vida.
Uma promessa.
Um oceano.
Um barco.
Uma prenda.
Um [só] fôlego.

E dois filhos.

domingo, 3 de abril de 2016

João Rosa de Castro - O Cio da Pedra

A CHAMA

Eu não fui o seu mecânico
Porque se eu tomasse um carro,
(um veículo quebrado há anos),
Até hoje nele eu estava
Conhecendo seus metais
E com as peças conversando.
Eu não pude o seu doutor
Que a pessoa adoentada
Ainda hoje eu curaria
Trataria e sarava.
Uma, única, a mesma: sempre.
Eu não pus a mão na massa
pois nas mãos me tem espírito.
Fazia viagem no trigo
Faria saber a origem
Da água que dava a massa
E nunca mais largaria
A bendita da massa.
Eu não fui o seu poeta
Que se eu era fazia um poema
Tão longo e escandinavo
Que tuas retinas cansadas
Render-se-iam sem ler.
Eu não fui o seu herói
Que antes foi você o meu.
E herói que salva herói
Merece silêncio e janela.
Eu não fui a sua esposa
Que se sim eu dava filhos
Tão altivos e belos
Que tu me odiarias
Por lhe fazer tão feliz.
Eu não fui o seu universo
Que você merece plurais
E a sua veia o sangue
Dos mais pios ancestrais.
Eu jamais o seu soldado;
Que andaria sem guerra.
Sua paz é mais soberana
E o infinito alcança.
Eu não fui sua vergonha
Posto que já tem de sobra
Se eu fora você estava
Trancado lá em Viçosa.
Tampouco o seu peregrino
Pois tem os seus próprios pés
E eles lhe sabem mais
Do que os anjos: os dez.
Eu não fui o seu sacrifício
Que toda a sina já-se foi.
Restou-nos a esperança
No fundo da funda caixa.
Se há madeira e perfume,
Se há cachimbo ou haxixe:
Verá com os próprios olhos
Mas de mim senão o óbvio.
Eu fui o seu pensamento.
Eu fui de ânsia o momento.
Eu fui a palavra ampla.
Eu fui até um tormento.
Mas houve manhãs e tardes.
E há senhores e mártires.
Há pedras que exalam cheiros
E outras que dão vontade.
Eu fui o seu grão silêncio

Eu fui a sua verdade.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...