domingo, 25 de dezembro de 2016

João Rosa de Castro - Amargo & Inútil


SANGRIA Ditaram a impossibilidade. Disseram incurável este corpo febril. Nunca terão êxito – previram. Nunca sairão da margem – julgaram. Sempre um texto fragmentado – zombaram. Sempre carregarão um produto isolado, comprado – arguiram. E nós paramos no meio do caminho, nos dispersamos, nos atrasamos ainda mais e enlouquecemos pouco a pouco. Voltamos à idade mais desprezível que teve o homem em sua história. Das cavernas vimos os pupilos em suas espaçonaves ao longe. Quisemos também avançar – num átimo –, mas conhecíamos que as toneladas de nossas almas nos impediriam agourentas. Este corpo, porém, só mesmo nós podíamos mover. Sem influências espetaculares, sem crimes à base de prêmios nem prêmios à base de crimes. Permanecemos devagar a olhar. E libertamos a consciência do atraso geral, trancado tão meramente numa bolinha de sabão. Vimos caiapós com altos valores de mogno nas costas; e cidadãos disfarçados em cocares. Notícias. Notícias populares – qual teria sido impopular? Dize o que nesta vida não seja popular. Diretas já a toda parte. Marajás alhures. O Real em alguma terra habitada ou desértica do mundo. Estabilidade sonhada aos zilhões. Hipertensa e viciosa segurança. Ditaram a inviabilidade da vida. Desenganaram o instrumento de salvação.

domingo, 18 de dezembro de 2016

João Rosa de Castro - Amargo & Inútil


PERSONA NON GRATA A indústria da piedade seletiva cresceu em número de almas. Almas-não-bandidas defendendo almas bandidas. O meu desejo era encontrarmos mais fórmulas de decadência para resistir à decadência. Transbordando dos inconscientes a mesquinharia. O capital – pivô das contendas, homebreaker, muralha separando os indivíduos – vira devoção para o mais reles vassalo. Usarei os meus dedos para comunicar meus desejos. Usarei os meus dedos de príncipe da televisão digital. E mudarei meu discurso, e nomearei belas artes, e viverei no meu mundo da sala, da sala, de qualquer sala. E o lixo eletrônico iria prà Índia, e o lixo eletrônico iria pràs sulaméricas; o humano pra cuba. Feitas as contas, estarei satisfeito com perfumes e roupas da moda, saciando todos os impulsos dessa carne que me toma. Fiz da terra o ventre que me gesta contínuo. Unido, jamais serei vencido. Com olhar rico e ares de benevolência darei autógrafos nas filas dos albergues e Agadês. Ó, eu. Ó, eu. Ó, cego eu. Cego eu. A realizar-me na minha invejável e temível inteireza. Ó, eu que unido jamais serei vencido.

domingo, 11 de dezembro de 2016

João Rosa de Castro - Amargo & Inútil


FIAT LUX Consciências a preço de custo. A mecanização raiou antes de o sol raiar. A inquietação das repúblicas federativas e destras ergueram mais um mártir à luta. Há mais coisas – há mais coisas prejudiciais às saúdes do que sonham os capatazes das serras. Ainda bandeiras azuis e vermelhas. Calam-me e o meu grito multiplica o engarrafamento. Calam-me e as mulheres alteradas sustentam a fumaça. O robô desperta do sono milenar. O homem de aço reclama lágrimas de Oz, das mais sentimentais que houver. O homem de aço ordena marchas inteiras. Mãe e filhos abraçados na varanda. Mãe e trilhos. Mãe e sarilhos. Mãe e a esperança das quermesses esperam com os filhos na varanda o pai. Tudo muito regularmente no presente do indicativo indica harmonia. Nevertheless, nevertheless, aqueles malandros comportamentalisticamente fabricam geladeiras escondidos em seus porões. No presente do indicativo indicam-se os currículos escritos a ouro em folhas de suor seco. Mímicos de toda sorte de pele e espírito participam tácitos de crimes desorganizados. Se houver mistério em sua barba, se houver bonança em seus desígnios – celebre-os, celebre-os. Não há mais nexo que não surja da cristalina baderna. Não há mais luz que não provenha de festas homéricas com seus deuses incógnitos. Não passaria essa terra sem que meu sorriso caro e impiedoso trouxesse a infinita fatura de serviços prestados pela minha idolatrada imaginação. 

domingo, 4 de dezembro de 2016

João Rosa de Castro - Amargo & Inútil


PROPAGANDA Houve equilíbrio nesta terra. E ainda havia quando passou em revista o governador montado em suntuoso cavalo pela tropa de elite, tropa de choque, todos os soldados militares em sentido e os outros civis. Deu a eles honra. E ainda houve quando passou com olhar lancinante em passos ruidosos o primeiro comandante da capital dando ódio – inspirando potência – à tropa de gangsters, batalhão de bandidos, todos os comandados. Deu também a eles honra. E houve nesses dois fatos, matematicamente pinturescos, equilíbrio. O exemplo dado dos que protestam, o exemplo dado dos que soletram quanto se faz – até o núcleo duro desse poder copiou. Teria sido fundamental exigir que não burlassem esta arte que vos contempla porque no tempo das cavernas eu pintava na caverna minha alma de caverna em letras e eles só apreciavam. Apreciavam. Não sabiam condenar nem escrever nem criticar nem tampouco discutir signos por meio de signos. Bons tempos aqueles sem essa sorte de espiões. Sem fala, prumo, régua. Árdua saudade que nunca será demonstrada. Houve silêncio nesta terra. E ainda havia quando mostraram na tevê a cara – sem dizer o nome. Delírios e psicoses pré-eleitorais. Material eufemismo. Entretenha as gentes eu. Engane as almas eu. Morra com o milenar segredo modernista eu. Pansexualmente eu – teria eu dito. Meu tamanho seguiu quanto tormento eu suportei. Agigantei-me globofobicamente em silêncio. Démodé. Que ser pois? Um íncubus do humano-macho? O teto para o lucro? O assalto da mais-valia? Uma assombração ou mais um grito? Não, não, não, não. Havia equilíbrio no mundo até que na intenção de alimentar os miseráveis errei a mão e alimentei a miséria. Depois, porém, distraí-me com o reality-show e me esqueci do crime. Houve paz na Terra. À medida que os limites me invadiram, menor deus tornei-me. 

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...