domingo, 20 de agosto de 2017

João Rosa de Castro - Bis


CADA JOÃO

Cada João que desce a cerra
E se vê na natureza
Persiste com passos inéditos
Na vida sem desilusão.

Cada Tereza que fecunda outro corpo
E se esconde da gente
Insiste em cantar
A canção já cansada.

Cada pronome que explode na boca
E se agiganta aos ouvidos
É o desenho do que se deseja
Tomar para si e abraçar.

Cada história de vida que se desenrola
E se impõe diante do povo
Quer apenas ser lida
Como carta secreta.

Cada grito que ensurdece o teatro
Carrega em si todo um vídeo
Que assim se rebela
Para alertar.

Cada sonho que se tem acordado
Separa um dia do outro
Formando um tempo próprio
Na vida de cada José.

domingo, 13 de agosto de 2017

João Rosa de Castro - Bis


O CHAMADO

Desligue o celular,
Desligue o marca-passo.
Apague a lamparina.
Desconecte o pecê.
Feche a geladeira.
Tampe o fogão.
Deixe a pia limpa.
Porque aqui nesta sala
Não há saída de emergência.
E os seus neurônios entrarão no ócio.
Você não vai precisar de coração.
As imagens vão se projetar de sua própria cabeça.
Venha para a tela mágica.
Não existe vida sem um alimento parecido.
A fome de que padecemos
Só pode ser saciada quando reaprendemos a nos entregar.
Venha para a apoteose de um ser.
Descubra nesta viagem a nova chave do querer.
Prometa tudo e não cumpra nada – viva.
Viva o rei!
Viva o coveiro!
Viva o burguês!
Viva o pandeiro!
O camponês conhece a terra.
O poeta o papel em branco.
Você os sinais de trânsito numa cidade metálica.
Sempre conhecemos alguma coisa profundamente.
Não tema vir e venha.
Que estas imagens estão sedentas do seu olhar.

domingo, 6 de agosto de 2017

João Rosa de Castro - Zum

CARRUAGENS DE ONTEM
                        (Primeiro poema do primeiro livro, escrito no começo da década de 90)

Por que tenho de querer mais
Se tenho o céu a assistir-me
E estrelas tão sinceras
Adentrando-me a janela?

Por querer mais do que a lua
É que posso ver-me homem.
Por querer a sobremesa
Que sequer a mesa espera.
Dai um doce, pois os beijos
Só depois de tuas tetas.

Por que tenho de querer
E rejeitar a leve brisa?
Se meu rosto refrescou
Não senti, nem percebi.
Nessa ânsia, na ganância,
Eu quis tanto estar aqui
Mas agora vou-me embora.
Não me encantas mais, aurora.
Se eras bela, já parti.

Por que não este momento
Se é real e o mais honesto?
Por que quero ver incesto
Se já tenho namorada?
Por que não a alvorada,
Esta aqui na minha frente
Acenando o meu presente
Com as duas mãos atadas?
Eu clamando o meu futuro
Não morri, ainda perduro
Farejando as vivas rosas
Dum passado já tão velho.
Como dói ser um humano
E honesto na cegueira
Desdenhando as cachoeiras
Por paragens dum deserto.


Não queria querer mais
Do que as ondas incessantes
A dançar com o horizonte
Que não vejo pelos olhos.

Não queria nem querer
Mas eu quero por abuso
Dum poder que não me excita;
Nem a fala nem a terra.
Não espero tua visita.

Por que não esta cidade
Se só ela é agora
Meu cenário, minha flora,
Minha fauna tão bonita?

Não queria que estes olhos
Só pudessem ver imagens
Doutro dia, outra hora
E não vissem as carruagens
Que passeiam a minha volta
Recompondo as paisagens
Que meu coração renega,

Pois sou homem – sou miragem.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...