A MANOEL DE BARROS
Sou feliz porque tenho poetas em
casa.
Sou feliz porque tenho poetas
que pressinto em casa.
Tenho poetas que aboliram a
escravidão em casa.
Tenho poetas que demoliram casas
em casa.
Tenho poetas que morreram em
casa.
Poetas que nasceram em casa.
Poetas que participaram do
carnaval em casa.
Poetas que neguei em casa.
Que ressuscitaram centenas de
vezes em casa.
Que me escorraçaram em casa.
Que praticaram religare em casa.
Que partiram do simples em casa.
Que nunca subiram de elevador em
casa.
Que voaram em casa.
Que me obrigaram a calar em
casa.
Que me incitaram a falar em
casa.
Sou feliz porque tenho poetas em
casa.
Sou feliz porque tenho poetas
que tiram ouro do nariz em casa.
Poetas que rezaram o terço e o
quarto em casa.
Tenho poetas que se travestiram
em casa.
Tenho poetas que fundaram a nova
Amsterdã em casa.
Tenho poetas que fugiram de
Bariloche em casa.
Poetas que amaram em vão em
casa.
Poetas que enterraram tesouros
em casa.
Poetas com a chave-enigma-do-ser
em casa.
Poetas que abandonei ao relento
em casa.
Poetas que dançaram techno em casa.
E valsas!
Tenho poetas que lavaram louça em
casa.
Que trocaram fraldas em casa.
Que cantaram tudo em casa.
Que não disseram nada em casa.
Que sucumbiram em casa.
Sou feliz porque tenho poetas
que nunca dormem, em casa.