FOME
DE SOM
João, João, não disfarce.
Por que escrever um poema?
Ninguém mais quer poesia
Senão impressa em notas
De dólares para gastar.
João, João, não se venda.
Você não sabe o preço
Das coisas ou de si mesmo.
Você não vale nada.
Você porém vale tudo.
É tudo assim um paradoxo
Tamanho e intransponível.
João, João, não deslize.
As mulheres querem novela,
Imagens que já vem prontas,
Os homens querem as mulheres,
Que prontas jamais se porão.
E você aí debruçado
Com pena e pensamento,
Arriscando com seus dedos
Em explicar a solidão.
João, João, não encane
Com seu atraso, seu pão.
Você se deixou por último
Pra ganhar sapatos novos.
A sagacidade humana
Não há séculos que entendam.
João, João, não se esconda.
Seus atos falhos o entregam.
Seu fôlego o denuncia
Você não se reconhece
A cada hora do dia.
João, João, não se culpe.
Você está só no meio.
Entre todos que já partiram
E os outros que inda virão.
O ERÊ
E o próximo que nascia era O Erê. Cheio de malandragem marota. Falando de dentro do útero da
mãe, O Erê dá conta das (ou ironiza as?) quatro fases da formação da
personalidade, teorizadas por Freud.
Depois de nascer e de levar um susto com o mundo
aqui de fora, o menino inicia a exploração da vida, com suas variações de
humor.
Na fase oral, ele apresenta o poema “Vivendo”, que
se inicia descrevendo o processo de amamentação: “O leite toca o palato”, “o
seio, a boca, o queixo, sim, dizem” e “o leite vacila na língua”.
Na fase anal, apresenta “o jeans molhado que a bunda aperta”, e chama a atenção: “Vejam só o
que fiz com meus pés. Espalhei a cenoura cremosa e a mandioca amarela, misturei
a aguinha, pisei”.
Na fase fálica, O
Erê fala d“Os dedos de Luciana [que] traziam anéis selvagens. O relógio
como sempre dava o tempo com os ponteiros dele. Sempre apareciam colunas.
Sempre despontavam árvores, e os postes rasgavam as calçadas. Os pés da mesa.
Os puxadores dos armários. Os parafusos. Paisagens minhas.”, etc.
Na latência, faz uma exaltação à presença da mãe
com palavras como estas: […] Você que me define e me forma, faz de mim a sua
escultura, nessa dúvida sobre os desejos que vou despertar, quanto amor ainda
carrega no seu peito? Você, livre e circense, encanta por encantar.”. Daí em
diante se despede prestes a gerar o seu próprio Erê e continuar o processo da
criação.
O seu autor,
João
Rosa de Castro.