RODA QUADRADA
Procuro em meu ser um
poema
Limpo e
irretrospecto,
Doce e útil,
E não encontro.
Um pedaço de
pensamento
Livre de mim mesmo,
Flutuante como plumas
ao vento,
Leve como os anjos
voláteis.
Procuro em mim mesmo
um poema.
Preciso dum poema
virgem.
Fora de qualquer
movimento,
Além de qualquer
momento
Sem a lembrança do
vivido,
Descrevendo um jardim
florido
Por força dum
fenômeno novo.
Preciso dum poema
morno.
Pudera escrever
sorrindo
O de se ler ou sentir
Com um sentido só de
agora,
De nova arte imensa
aurora,
Um verbo fino e
irredutível,
Nem tão feliz nem tão
triste
Um tal
poema eu sei que existe.
SONHOS CENSURADOS
Li A Interpretação dos Sonhos, de Freud, e
precisei transcendê-la. Questionava de mim para mim por que sonhávamos o desejo
reprimido. E, longe de libertar os desejos como se fossem pássaros engaiolados
que me sabem ao desejo de Deleuze, resolvi retê-los ainda mais nos sonhos que
os trazem, como se fossem víboras perigosas. Donde ter surgido para mim este
título: Sonhos Censurados.
Porém, em vez de reprimir mais ainda os desejos, e apenas
analisar o sonho como é, o livro reflete sobre a aparição desses desejos no sonho.
Ingada, por exemplos, em cada sonho que analisa: por que não realizar [ou ter
realizado] esses desejos na vigília? Por que o desejo havia sido reprimido? Por
que geralmente convirá continuar reprimindo-o ou censurando-o, agora, depois da
interpretação, de maneira consciente?
De modo que, depois de uma considerável reflexão sobre a
descoberta do desejo, convinha a mim avaliar se o desejo realizado no sonho era
censurável ou não – e dependendo do que, nas duas hipóteses.
Não publicaria este livro por considerá-lo assaz
ininteligível, inútil e particular. No entanto, depois de ver a filósofa
Olgária Matos anunciando o “desastre” que o desejo representa, resolvi repensar
e considerei a publicação de Sonhos
Censurados, depois de alguma revisão para torná-lo um pouco mais palatável.
Poderia também alargar a perspectiva e intitular o livro de Desejos Sublinhados, mas isto demandaria
mais tempo e possibilidades do que simplesmente censurar o desejo no bojo do sonho.
O modelo de Sonhos
Censurados acompanha o de Freud, acrescendo porém a tentativa de censurar
os desejos reprimidos de maneira consciente, no afã de realizar alguma catarse.
Com efeito, Freud deve ter meditado sobre a “responsabilidade” de deixar os
desejos fluírem livremente. Que adorava sonhar e interpretar os próprios
sonhos.
Eu, porém, acredito ser este expediente muito arriscado. Já
acreditava nisto antes de conhecer a relação citada de “desejo” e “desastre”.
Pois para quem gosta de correr algum perigo, basta ler A Interpretação dos Sonhos,
de Freud, que ela bastará para elucidar o movimento dos sonhos na psique. Sem
esquecer, porém, que é mais fácil lidar com a consciência do que com a
reputação.
De sorte que, quem for mais amigo de evitar os perigos ou
de pensar na anatomia dos desastres, recomendo os meus Sonhos Censurados. Afora o fato de que a liberação geral dos
desejos tem no mínimo representado uma catástrofe nas relações sociais da nossa
era, sobretudo depois do advento dos feminismos, dos ativismos e da hegemonia e
pretensão das militâncias.
O seu autor,
João Rosa de Castro.