A GÊNESE PARTICULAR
(a Flávio Gikovate)
A aproximação de dois
inteiros...
Estapafúrdia!
Utópica!
Onírica!
Imperialista!
Imoral!
Conveniência!
Ultrajante!
Delirante!
Aparências!
Calculistas!
Estelionatários!
Bicha!
Puta!
Lésbica!
Loucos!
Mórbidos!
Ingênuos!
Drogados!
Desviados!
Burros!
Capitalistas!
Burgueses!
Tiranos!
Neonazistas!
Metidos!
Moralistas!
Cruentos!
Sanguinários!
Vendidos!
Pilantras!
Maus de cama!
Mal resolvidos!
Masoquistas!
Sádicos!
Infantis!
Imaturos!
Cus de ferro!
Enrustidos!
Mercenários!
Maconheiros!
Nerds!
Problemáticos!
Egoístas!
Mentirosos!
Farsantes!
Falsários!
Coprófilos!
Necrófilos!
Selvagens!
Bichos do mato!
Caipiras!
Sórdidos!
Displicentes!
Negligentes!
Mother fuckers!
Insolentes!
Arrogantes!
Prepotentes!
Idealistas!
Mas os dois inteiros
fingem não ouvir tudo isso que gritam as metades humanas desinfelizes, perdidas
na visão de seu dia-a-dia vazio e monótono.
Os dois
amantes inteiros vão cumprindo a promessa de se encontrarem e se beijarem no
meio da maloca cultural, eternamente cúmplices do grande crime de amar
livremente.
Os dois amantes
inteiros são a razão e o sentido da existência humana. Respeitam-se, adoram-se,
querem-se bem – virtuosos. Trocam entre si e barganham a riqueza da
individualidade. Trocam entre si o que jamais seria encontrado alhures.
Trocam entre si o
peso de viver, sentido de forma diversa.
Trocam entre si o
alívio momentâneo de uma notícia esperada.
Trocam entre si o que
no outro embeleza os dias.
Não se invadem.
Não se fundem.
Não se confundem.
Riem entre si.
Sentem inteiros.
Pensam inteiros.
Enfrentam o pior lado
da alma.
Amam como podem.
Gozam como podem.
Desculpam-se.
Culpam-se.
Desculpam-se.
Culpam-se.
Sabem-se.
Aconchegam-se.
Se agradam.
Os dois amantes
inteiros silenciam – sometimes – e
contemplam o outro até que ele se envergonhe.
Guardam segredos.
Pedem segredos.
Compram e vendem
segredos mutuamente.
São para os olhos um
do outro o imenso monumento de mistério.
Nunca se negam.
Nunca se renegam.
Aceitam-se.
Ouvem atentos um ao
outro.
Nunca se conquistam.
Sempre se conquistam.
Nunca se conquistam.
Sempre se conquistam.
Não se vingam –
ofendem-se originalmente, porque às vezes estão desatentos.
Mas se desculpam e
sublimam a frustração da ofensa. Transformam-na em um objeto de pudor.
Nunca competem.
Nunca se invejam.
Recomeçam tudo de
repente.
Não são dados à
tortura.
Exorcizam um do outro
o medo súbito que surge.
Nunca ameaçam.
Nunca chantageiam.
Conversam e se
descontraem.
Têm amigos.
Não se cobram – por
que os beijos verdadeiros não se pedem.
O sexo dos amantes
inteiros será eternamente complexo, nunca metódico, jamais sistemático –
humano.
Quem tomará a
iniciativa?
Os filhos dos amantes
inteiros também são inteiros – a inteireza é hereditária.
Os amantes inteiros
sempre são belos porque honestos.
Sua beleza não
corrompe a honestidade.
São honestos consigo
e com o outro paralelamente, simultaneamente; como se cada um fosse
naturalmente dois.
Os amantes inteiros
adquirem no tempo uma vaidade saciável e, portanto, sentem-se belos em todas as
idades.
Acreditam que se
merecem fenomenalmente.
Às vezes, se escondem
dos gritos do mundo para invocarem a sua gênese particular; mas voltam para os
gritos do mundo, mais vigorosos e prontos para um novo começo.
Sabem começar
harmoniosamente.
Nunca são
superficiais em nada do que sentem ou pensam. Pode-se ter esta impressão, pois
eles sabem o momento de interromper e substituir o sentimento ou o pensamento
por uma questão de sobrevivência – assim como sabem quando é bom aprofundá-los.
Sentem-se bem com o
poder; foram feitos para orientar os que gritam.
Reconhecem as
próprias fraquezas; porém não as aceitam.
Dando os trâmites por
findos, os amantes inteiros são livres, porque sempre têm consciência do espaço
que ocupam no mundo; e o mundo há que ser povoado por amantes inteiros.
A TECNOLOGIA E A CRIAÇÃO POÉTICA
Este livro era intitulado “A Tecnologia e a Composição
Poética e Musical”. E, com efeito, era composto de duas partes, com a dissertação
inicial do músico violonista, e mestre em letras, João Paulo Feliciano
Magalhães, além da minha, que trata da Criação Poética em meio eletrônico.
Entretanto, como ele precisou se ausentar por uns anos do
trabalho exercido em dupla, e, em eu tendo de publicar a obra para todos,
decidi excluir a parte que tratava da música, já que não poderia responder por
ela em sua ausência.
Iniciou-se como uma monografia de iniciação científica.
Acolhe a poesia no mundo da ciência e da tecnologia, sem deixar de considerar sua amplitude
artística, sua tradição, sua gama de possibilidades reflexivas, diferentemente
da ciência, que as pode limitar.
É livro que teria levado Jean Jaques Rousseau, e sua
supervalorização da virtude natural humana, filosófica e religiosa, a um ataque de nervos. Uma vez que
tanto a influência da arte como a da ciência são pensadas em seu discurso como
sendo deletérias para o desenvolvimento virtuoso e vigoroso de um povo.
É claro que vale a pena considerarmos essa reprovação de
ambas antes de as glamourizarmos. Porém, faço aqui, mais uma vez como
Nietzsche, e contorno sua reprovação, chamando a arte escolhida para análise no
livro, de gaia arte, a exemplo de como o filósofo nomeia a sua Gaia Ciência.
De certo modo, o livro já se ultrapassa com os anos: os
percentuais de acesso à tecnologia da informação tiveram um bum, ainda que a
poesia, conforme a própria obra anuncia, acompanhe, como acompanhará, qualquer
bum.
Eu tinha pensado em manter seus números atualizados. Mas
creio que apenas farei uma nova revisão para uma segunda edição, no caminhar
das transformações por que passa a minha obra como um todo.
O seu autor,