A CURA
Tons da vida
Sons dum corpo
Que se move
No infinito.
A noite chega
E ensombra o mundo.
A lua vem e ilumina.
O movimento das luzes
artificiais
Anuncia a existência
das cidades ao longe.
Tons da vida
Ecos do mundo
E os corações em
sangue
Fazem os corpos
quererem
O que ainda não se
inventou.
Uns encontram a razão
em si mesmos,
Outros assistem-na na
TV
Como um fenômeno
distante e inalcançável.
A liberdade é uma
ilusão que flui
Como um rio que
deságua no oceano
Para que os espíritos
contemplem distantes,
Mas voltem para si
próprios
Pois a própria
existência é um alibi.
Tons da vida
Sons de cítara
Ritmos exemplares
Soltos numa
imaginação de seres futuros.
Mãos, braços, corpos inteiros
e a cura
Para
os males mais imperceptíveis.
ALMA NUA
Alma Nua traz uma ode ao heroico ato que é permanecer nos
cursos de letras, no qual se se apresenta de corpo e alma diante dos
sentimentos.
Valeu muito a pena ter escrito “As mil e uma
mortes”, num pequeno tratado da passagem, que tanto inquieta. E não só tratado,
como também pacificação entre o homem e a morte, que pode não ser tão má assim,
e além disso pode ser bem interessante.
Em “Enigma”, já adiantava o leitor para o que
estava por vir. Trata da música de um grupo que aprendi a ouvir com um falecido
amigo. Crítica da música contemporânea, numa coletânea de poesia, que fala
diretamente com os músicos que a produzem, eis um prenúncio das manifestações
do gosto.
No poema que dá nome ao livro, a alma nua não
estranha “a visão imediata das mulheres” […] “nem suscita-lhe a surpresa a
tardia razão dos homens.”. Foi um motivo de orgulho ter pensado coisas assim
pouco antes de encerrar: “Os apocalipses na memória das formigas destroem os
formigueiros”, exaltando os integrados, que produzem, e muito, antes do fim.
Nada mais faz a alma rir. […] “O palhaço não consegue, nem com a ajuda de
Baubo.”.
Um poema feliz é o que faz um elogio a João Ubaldo
Ribeiro, em vida: “Itaparica”. A poesia dizia que o escritor sabia “tão bem o
que perdemos com o que vimos ganhando e mesmo assim não lançava mão de
saudosismo improfícuo”. Era o dono da “vontade pura”. Que a nossa saudade lhe
seja leve, apesar de tanta.
Um poema menor e grandioso, que não posso
menosprezar é Tereza Raquel, que
apenas diz: “Cheirando rapé, descendo rapel e contando rafaéis.”. Mas depois de
tantas perdas e danos, revivemos em “Recompondo a Alma”, que “cresce, da terra
até ao sol, regendo alta sinfonia, velha do começo ao fim.”. E sua incursão
pela poesia concreta. Belo livro.
O seu autor,
João Rosa de Castro.