SOB
O CREPÚSCULO
Homem feito, ele
reencontra Luciana.
Mais do que sonha
Sai da boca dela,
Emana dos seus
gestos.
Despe-se ela da coroa
Que lhe dera a
infância.
No negro de sua
veste,
Na indiferença de sua
voz
Morre um encanto
E surge um glamour novo,
Como se sua alma
Ganhasse nova tez.
Como se se
transformasse
No que ele mais
queria:
Numa possibilidade,
Num prenúncio de
bem-aventurança,
O amor mais vivo que
se viva,
Posto que de amantes à
parte,
Dado que inocentes
não se saibam.
Mais do que ele pede,
Luciana mostra no
olhar,
Pela destra marca do
seu rosto.
Cada palavra sua
É para ele grande
novidade.
O que projeta ele
agora
Depois de vê-la só
pessoa?
Menos pessoa torná-la
Como se fosse o
próprio tempo?
Não, não, Luciana
cresce,
Ergue-se numa
montanha,
Perde-se em amores
efêmeros,
Busca o céu nas
alturas,
Tece cada passo do
destino,
Não se percebe
adorada
Como uma abstração.
Quer a realização
própria,
Distância de muletas
humanas.
Cresce Luciana
sóbria,
Ágil até no sentir
E invicta de paixões
ardentes.
O homem feito
reencontra Luciana,
Alma perenal do amor
mais antigo,
E ajusta a desordem
de sua cabeça.
Sabê-la era um
fascínio,
Amá-la era um
deleite,
Cantá-la uma devoção,
Revê-la foi um
delírio.
O homem estagnou
Ficou na sonífera
ilha,
Pensando, relendo e
sentindo
Os calores do
espírito,
O ritmo da memória.
Negou anos de
aventuras
Para adorá-la em paz
Agora, porém, o que
temos:
Luciana, solitária,
amada,
Esse homem,
solitário, amante,
O destino a lançar as
cartas
E o
tempo assistindo a tudo.
POST SCRIPTUM
Este conjunto de aforismos, que teria sido meu
primeiro livro em prosa e o último a ser escrito, deve sua existência ao
marasmo que me havia reservado o silêncio em resposta a toda a minha poesia.
Escreve-se, afinal, para comunicar-se. Porém,
também acredito que serei um autor póstumo, e que também os meus leitores ainda
não nasceram.
Este fenômeno tende a ocorrer ou quando a obra é
muito boa (e a época muito ruim) ou quando a obra é muito ruim (e a época muito
boa)!
Não sei ao certo se este trabalho todo, envolvendo
mais de 26 anos de escrita, está nivelado à nossa era ou acima dela. Hoje
protestamos contra os governos e as corrupções impunes e nada nos assevera que
amanhã protestaremos menos por isso, nem que protestaremos mais ou menos por
quer que seja. Nós estamos jovens e nos sentindo velhos. E isto é um sinal de
bem-aventurança: uma velhice nacional precipitada.
Que só uma velhice precipitada nos inspira o belo e
seguro egoísmo da insatisfação com tudo. Isto também torna humano.
O livro teve tarde de autógrafos, com uma pequena
tiragem, no então atelier de pintura, de José Silva de Carvalho, em casa de sua
mulher, Aparecida de Alencar Carvalho, que fez reunir os amigos e alguns
parentes para um coquetel, em 2006.
Traduzi para o idioma inglês, e Itzel Pérez
traduziu, no México, para o espanhol. Atualmente o meu Post Scriptum é divulgado virtualmente pela Babelcube Inc. e seus
canais de distribuição, que acolheram ambas as traduções.
O seu autor,
João Rosa de Castro.