MELANCOLIA
Ser livre e sorrir
Na amplidão de um
sonho.
Ser leve e voar
No finito entardecer.
Toda felicidade que
se busca é interna.
Lá vai o homem feliz
e sem face
Com o seu eu perdido
entre amar e não amar,
Na pura angústia de
ser não sendo.
Toda existência que
se move é eterna.
Ele quer se
distinguir de si mesmo
E encontra um outro
em si, que acena.
Ele já não pode ir
nem ficar.
Sua leitura de mundo
é confusa,
Seu silêncio é uma
orquestra,
Seu pensamento o seu
algoz.
Seu delírio emerge
dum reles acontecimento
E ganha dimensão
extensa.
Quiçá uma carícia,
Quiçá um abraço,
Quiçá um beijo,
Quiçá um orgasmo
Seja o marco dos seus
dias.
Morrerá e será
esquecido.
Antes, porém,
sofrerá.
Antes, porém,
sorrirá.
Antes dará festas
homéricas.
De um gozo a outro
vai pensar.
E projetar edifícios,
E comandar soldados
em guerra,
E derrubar o
arquiinimigo
E conquistar
territórios.
Tudo às cegas,
Tudo às pressas,
Tudo se repete.
Ser livre e sorrir
Na amplidão de um
sonho,
Só assim será um rei,
Pois quando acorda
Se perde,
Se ama,
Se odeia,
Se escraviza,
Não tem nome,
Não tem sangue,
Não tem raça
Não se
enxerga sequer ao espelho.
SANTA MARIA D’OESTE
O livro Santa
Maria d’Oeste surgiu em 2006; depois da empolgação com o lançamento de Post Scriptum, o qual, como o próprio
nome sugere, teria sido o último livro que eu escrevia, depois de uma série de
livros de poesia. Nunca tinha imaginado que pudesse escrever em prosa. Tinha
versejado desde 1992. Pensava que só sabia fazer verso.
Mas o ano de 2006 não terminava nunca. Depois de Post Scriptum, fiquei pensando que
talvez pudesse escrever um desabafo. O contexto era o do Partido dos
Trabalhadores no governo, encabeçado pelo então presidente Lula. Nós os
letrados estávamos com a corda no pescoço. Quem tinha emprego eram os
Trabalhadores de fato e de braço.
Eu estava na transição dos números para as letras.
Atuara desde 1990 como auditor de receita e concluíra o curso de letras, sem
que quisesse o magistério. Queria, como o nome me induzia, as Letras em si:
tradução, revisão e pesquisa. Iniciara o curso de mestrado na USP, com a
professora Munira H. Mutran, mas precisara interrompê-lo.
A partir desse primeiro desabafo, todos os livros
que escrevi depois representam uma grandessíssima brincadeira. Santa Maria d’Oeste, por exemplo, é o
que não me coube dizer nas sessões de psicanálise durante aquele ano. Imagine,
pois!
Mas representa também a desmistificação do
escritor, sempre envolto em uma redoma de vidro, como se fosse inacessível e
transcendental, quando, de fato, é mais um profissional que carece tanto do
produto básico da natureza para levar sua vida como um comerciante.
Santa Maria
d’Oeste é a revalorização do
destinatário do conhecimento. Como se o leitor fosse um médico – o psicólogo
que cada um traz dentro de si. E se o verso nos livros anteriores já me poderia
ter sido um delírio, a prosa poderia ser mais delirante ainda. O leitor
supostamente vive são. Tão são quanto a Santa Maria d’Oeste. Não o escritor,
sempre envolto em sua incurável e eterna enfermidade do “querer dizer”.
Traduzi para o idioma inglês, publiquei pela
Editora Scortecci e atualmente o livro é divulgado pela Babelcube mundo afora.
O seu autor,
João Rosa de Castro.