O
LENÇO PERFUMADO
Vil serventia do
perfume deste lenço,
Que em meu corpo
opera vã sinestesia,
Pelas narinas vem e
toma a minha mente,
De onde foge e vai
bater com o coração.
Por fim cardíaco faz
lembrar ser intocável
A pele prenhe que o
ostenta pelos ares.
E me fascina o rico
lenço enxovalhado
Simbolizando um amor
tão impossível.
Até que o tempo surge
e deixa só o lenço:
Leva o
perfume e então no pano é só vontade.
DIÁRIOS DE MONTANHA RUSSA
Depois eu me empolguei mais ainda com os resultados da
prosa. Como um pintor que tivesse passado muitos anos desenhando sombras
encontrasse o pincel e as cores. Desacelerei bastante a poesia – que escrevera,
às vezes, um poema por dia. Decidi escrever mais uma reflexão profunda e
autobiográfica. Como eu podia acreditar que minha vida, essa experiência tão
desprezível (aos olhos de tantos) fosse algo interessante?
Nietzsche: Nesta fase já tinha lido e relido toda a
filosofia vibrante do filósofo. Minha psicanalista: já saía das sessões
suspirando com o desabafo. Tinha lido um pouco da literatura brasileira, cuja
ausência nos primórdios fora motivo de grande frustração. E por mais que eu
leia hoje o que há de bom em literatura brasileira, ainda não me conformei de
todo por ter lido Lair Ribeiro e Paulo Coelho, nos fins da adolescência.
Esta biografia teria se intitulado Montanha Russa. Porém,
quando estava prestes a publicar virtualmente, li em alguma parte que a senhora
Marta Medeiros tinha escrito um livro com o mesmo título. Dissuadi-me dele e,
lembrando daquela bobagem dos Diários de Motocicleta, inseri os Diários no
título, criando por fim os Diários de
Montanha Russa. E era assim mesmo que eu me divertia nos parques de
diversão: sempre pensando na arte quando me assombrava com os solavancos dos
brinquedos. Por outro lado, observei que neste longo livro, com mais de
trezentas páginas, a vida se me afigurava desta forma: subia e descia e voltava
e caia e se re-estabilizava, etc.
É nele que eu volto para o Brasil-colônia e lavo roupa suja
em público. Falo da relação com os meus irmãos, da vida em família, dos
momentos de ira e de apaziguamento. Da minha relação tão afetuosa, e, às vezes,
tão surpreendente com minha mãe, com quem passo a maior parte do tempo. Dos
encontros e desencontros da vida urbana, do calor e da frieza com o mundo, da
miséria e da grandeza que é viver a vida.
Como já tinha escrito um ensaio de autobiografia meio que
descontrolada, no Santa Maria d’Oeste,
decidi-me a adicionar algum método nesta própria. Assim, os acontecimentos que
incluo nos Diários de Montanha Russa abarcam
um período exato de um ano de vida. Como se recortasse um ano para dizer ao nobre
leitor quem eu poderia ter sido nos anos anteriores e poderia ser nos
posteriores através da observação daquele ano em específico.
Ainda, no plano da forma, quebrei o modo como se se
apresentam as datas e os lugares, criei nomes para todas as cidades: até para a
cidade de São Paulo e Rio de Janeiro, numa tentativa de apreender tudo, tudo,
tudo – de forma nova.
Mauricio R B Campos, um dos meus veneráveis mestres, leu o
livro e disse ser “agradável”. Não entendi muito bem o que quis dizer com o qualificativo.
Eu quis que o livro agradasse menos do que surpreendesse. Porém como é
insistente, para não dizer “persistente”, talvez tenha se tornado enfadonho,
reduzindo aí a possibilidade de que alguém pudesse se surpreender com algo
muito extenso ou muito prolixo.
A Doutora Maria Alice Paes tremeu na base, mas escreveu o
prefácio, conforme eu pedira. Eu tinha pedido a outra pessoa, que, porém, por
ser da família, preferiu não fazê-lo. Mas a médica arriscou transpor os
receituários, prontuários e compêndios de psiquiatria e redigiu uma
apresentação concisa, porém muito importante.
Ganhei de Mauricio R B Campos o moral para traduzir este
pequeno gigante para o idioma inglês, e hoje ele está sendo traduzido para o
espanhol, por Verónica Santos, na Argentina; breve poderá, portanto, ser lido também
pelos amigos hispanoparlantes.
Sendo tudo assim, aquele ano fatídico dos Diários de Montanha Russa comprovaram
que a vida de um brasileiro medíocre também pode ser interessante, mesmo
vivendo numa cidade poluída, em vários sentidos, como esta, mesmo atravessando
as aventuras da desendinheirança, da guerra interior e exterior dos
sentimentos, o tédio de ter de lidar quase totalmente com pessoas da família e
do trabalho, mais virtualmente do que na presença mesma, estar só no meio de uma
multidão e fazer da solidão um grande carnaval: foi este o livro que me tornou
um destino.
O seu autor,
João Rosa de Castro.