EXÍLIO INTERNO
O pior exílio é o interno
Eis do que muitos
fogem.
No seio do lar o
descaso.
A intensidade da
minha alegria.
A profundidade da
minha angústia.
Inédito espetáculo
num ensaio.
Eterno preparo para
não ser visto,
Tanto quanto o dos
distantes amados.
O mais próximo é o
mais odioso.
Uma ameaça constante.
O mais distante não
causa dano:
Parece falar de outro
planeta,
Inalcançável,
indiferente.
Mais adiante sou o
herege.
Objeto de novenas,
Motivo para eternos
rosários.
Credos, paternosters, hail Marys.
Como se a natureza
houvesse errado
Em mim como num
vulcão
Que desdenha os
diabos.
Diabólicos sorrisos.
Como se o soldado-mãe
Como se o padre-mãe
Expiasse pelo crime
De conceber o grande
monstro.
A esfinge que devora
os homens
Perdidos nos prazeres
da inocência.
Sim, exílio interno.
Mais interno do que
nunca.
Dum lado a espera
Ou até mesmo o
encanto
Do momento tão
oportuno
De me expulsar para o
meu mundo.
Risos da caricatura:
Um boneco que fala!
Uma estátua que anda!
Um demente que
contesta
Napoleães e Platões!
O teste da
moralidade!
Ele tem tudo de mal,
Mas ainda cabe nele
Esse contêiner
infinito.
Vamos, ainda cabe
nele
O nosso lixo atômico.
Aproveita que é
estrangeiro
E que não tem
passaporte
Para viver no paraíso
De compaixão e
miséria.
É o exílio interno
O pior deles, na
certa.
Na padaria, pensam em
vender o pão.
Pensam em aumentar o
cigarro.
Pensam seriamente
quando digo obrigado.
Quando ando pelas
ruas
Nowhere to go
Eu também fico
procurando discos-voadores no céu.
As mulheres
neutralizam tão pouco
A rudeza dos seus
filhos.
Até parece que os
amantes conceberam dormindo.
Sinto-me
transformando
Nessa espécie
quase-humana,
Tão natural e
tranquila.
Mas no exílio não
posso.
Sempre sinto que
voltarei para a minha amada terra
Que tem palmeiras
onde canta – e até dança – o sabiá.
Nunca mais serei
popular.
Nunca mais saberei
copular
Com saudade das
belezas que eu tinha na minha terra.
É tão estranho vê-los
competir.
É estranho vê-los
jogar bola.
Vídeo-game,
Conversando
Nesse idioma
estranho,
Programando o futuro,
Acreditando nele
piamente.
Os meninos e os
homens afirmando uma força.
As meninas e as
mulheres preparando a maquilagem.
Os meninos contando
dinheiro
Pras meninas dando
mamá.
As famílias nas ruas
falando mal das famílias
E das famílias das
outras famílias.
Cada qual se sentindo
a mais nobre.
Todo mundo tem medo
de ficar sem amor.
Antes mal
acompanhados do que só:
A solidão faz um medo
medonho.
Todo mundo tem medo
de ficar sem a grana.
Todo mundo tem medo
de ficar sem a fama de bom.
Os ruinzinhos por
natureza se juntam
Em grupinhos muito
pequenininhos.
E os bons, a grande
maioria,
Não lhes dá muita
atenção.
Eu até quis me juntar
aos ruinzinhos,
Mas eles não sabem
que o são.
O exílio é duro
Como a doce
rapadura...
É preciso mostrar
alguma dor.
Uma fraqueza qualquer
Para passar pelo
portão.
O alívio é palavra
proibida
O prazer de qualquer
um uma blasfêmia.
Sexo só para
procriação
Ou grana quando ela
falta.
É tudo técnico:
Beijo e puxado,
Puxado e filhos,
Filhos e dinheiro,
Dinheiro e cerveja,
Cerveja e silêncio.
Sinuca e dominó.
Na afirmação dos
homens – axé e forró,
No desespero das
mulheres – forró e axé.
Rock ‘n’ roll para
afetar rebeldia
Sem saber contra o
quê.
Arte? Arte!? Arte!!??
Não! Não!! Não!!!
Bingo. Bicho. TV.
Pura diversão.
Conversas, muitas
conversas com palavras.
Camas, muitas camas
com lençóis.
Um filme! Um filme!
Depois de tudo –
dublado.
Depois de tudo –
legendado.
Depois de tudo –
esquecido.
Os cachorros latem no
exílio.
Os gatos miam no
exílio.
E as pedras se
encontram.
No domingo fico
saudoso do ócio.
O melhor exílio é o
interno.