AS MIL E UMA MORTES
E se eu morrer de
repente, sem que ao menos espere
E encontrar uma
floresta em que cantem os pássaros?
Ou quiçá virá um anjo
com asas e boas vindas.
Ou uma bruxa vai
dizer que já estava me esperando.
Ou vou despertar dum
sono que dormia em outra parte.
Ou visão
caleidoscópica dos olhos dalgum inseto
Me façam ver este
mundo dum modo tão colorido.
Ou flashes do que
fizera para ver se eu me arrependo
Do quanto chamam
pecado, de tudo que chamo crime.
Ou veja o meu pai
sorrindo com uma expressão, um afago.
Ou fosse no fundo um
pássaro que enviasse meu pensamento.
Ou então uma serpente
que me amasse tão distante.
Ou o filho de uma
tribo com a mesma consciência.
Ou o ardor do próprio
fogo queimando-me morto e vivo
Na dor prometida e
eterna, que não conhece o alívio.
Ou não vou ter nem
memória: nascer novamente infante.
Ou vou vagar numa
noite que não conhece o dia.
Ou duma anestesia vou
acordar distante
Como se até à morte
tudo isto fosse um sonho.
Ou no meu próprio
túmulo continuarei pensando.
Ou simplesmente o
nada tomasse conta de mim
Como se nenhum
sentido o meu corpo concebesse.
Ou o infernal torpor
da vibração de cada verme.
Ou uma infinda queda
num poço que não tem fundo.
Ou um choque terrível
como o da descarga elétrica.
Ou na beleza do mar,
num silêncio profundo
Um cavalo-marinho
tomasse minha existência.
Ou vou ouvir uma
música leve e expressiva
Que só me suscitasse
o desejo de sorrir.
Ou vou viver um vôo
para cima e sem limites.
Ou os torturadores
vão formar o grande inferno
Com ameaças mais
agudas do que as da própria vida.
Ou vou ver a
eternidade como uma tela de cinema.
Como um céu animado
pela história do universo.
Ou vou para o mundo
dos mortos e serei então mais um
Entre os seres que
temem uma morte ainda pior.
Ou serei Deus no
comando da propulsão dos sistemas.
Ou uma árvore antiga
pensando em todos que passam.
Ou os amigos finados
talvez me esperem sequiosos
Para cobrar pelo
tempo em que foram esquecidos.
Ou esses mesmos
amigos podem sofrer de saudade
E me ensinar com
orgulho o que é a vida de um morto.
Ou partirei para
Marte para ver sua geografia
Como se então
contemplasse uma arte original.
Ou acordar noutro
tempo: num passado remoto
Ou quiçá no futuro,
com a mesma consciência.
Ou vou para um submundo
de criaturas disformes,
Em que serei uma
delas, a quem não existe coerência.
Ou encontrarei meu
inimigo, aquele que escolhi
Para que a guerra
prossiga em póstuma atmosfera.
Ou paraíso de cores,
sons e perfumes e brisas
Sem fruto algum
proibido, portanto nenhuma fome.
Ou purgatório maçante
me mostrará o inferno.
Ou só o seio de Deus,
que há muito tempo eu não sinto...