domingo, 2 de junho de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua

ALMA NUA

Esta alma não respira mais
Foi posta no vácuo
Pelo rígido talhe

Não flutua no céu azul
Anti-natura
Inatura
Sub-natura
Imaturamente muda
Hermética beleza cintilante.

Esta alma não dança mais.
Seus ouvidos desatinados
Não ouvem a música
Nem um lamento
Nem um sorriso.

Real, leal, fiel a si mesma.
Nem o retrato do infante,
Nem a lembrança da infância
Tira-a do cárcere infundado.

Esta alma já não canta
A memória de anteontem
Não causa nela melodia.
Não há noite, não há dia.
Fica num eterno crepúsculo.
Indefinida,
Infavorita,
Desprezível,
Mas soberba.

Que dor terá sentido?
Que horror terá vivido?
Que amor fatal perdido?
Que paixão malsã amargado?

Esta alma já não cospe
Em nenhuma face horrenda.
Já despreza o monstruoso.
O caótico e o temível
Já lhe são indiferentes.

Não lhe causa estranheza
A visão imediata das mulheres.
Nem suscita-lhe a surpresa
A tardia razão dos homens.

A espécie humana extinta:
Eis a cena que azucrina.
A beleza da existência
Na lembrança desvanece.

Deus em silêncio secreto.
Os deuses escondidos nos montes,
Os super-homens tentando voar,
Os homens num sono completo,
Os quase-homens andando a esmo
E os sub-homens sentados nos tronos.
Depois os bichos amam
E atravessam as tempestades.

Um mundo de mímica surge.
Parafernália, parafernália.

Não sente a água esta alma.
Sedenta por dentro e por fora,
Segue como uma planta
Esquecida ao próprio tempo.

Conhece o estômago dos vermes
E as vísceras dos insetos
E a terra e a eternidade.

Se engole imoral a moral.
A peçonha toma o corpo dos anjos.
A ilusão se esvai.
Tudo o que é sagrado
Se faz em série.
Aplica-se
Injeta-se nos corações.
Tudo o que é profano
Se apaga
Se subtrai aos intelectos.
Os apocalipses na memória das formigas
Destroem os formigueiros.
Ninguém regula Iracema,
Iracema não regula ninguém.
O quiabo acaba
Os quiasmos,
Na imaginação circular dos poetas,
Se desfazem.
Percebe-se a mentira da lógica.
Os homens dançam
Ouvindo Björk,
Fumando,
Cheirando,
Injetando,
Se acariciando e morrendo.
3005 chega.
6005 passa.
20.005, janeiro, fogos no Rio de Janeiro.
201.005, primavera – Los Angeles – roller-coaster.

Esta alma não ri mais dos palhaços.
O circo sai da cidade
O palhaço fica
No seu desafio de fazê-la rir. E nada.
É mais fácil fazê-la jogar capoeira,
Lutar jiu-jitsu,
Ter um orgasmo sério.
Mas não ri – é verdade – não ri.
O alinhamento dos cabelos,
O formato das cabeças,
A pequenez das pupilas,
Os pelos pubianos,
O tamanho dos pênis,
O contorno das vulvas.
Nada lhe faz rir.
O palhaço não consegue,
Nem com a ajuda de Baubo.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

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