ALMA NUA
Esta alma não respira
mais
Foi posta no vácuo
Pelo rígido talhe
Não flutua no céu
azul
Anti-natura
Inatura
Sub-natura
Imaturamente muda
Hermética beleza
cintilante.
Esta alma não dança
mais.
Seus ouvidos
desatinados
Não ouvem a música
Nem um lamento
Nem um sorriso.
Real, leal, fiel a si
mesma.
Nem o retrato do
infante,
Nem a lembrança da
infância
Tira-a do cárcere
infundado.
Esta alma já não
canta
A memória de
anteontem
Não causa nela
melodia.
Não há noite, não há
dia.
Fica num eterno
crepúsculo.
Indefinida,
Infavorita,
Desprezível,
Mas soberba.
Que dor terá sentido?
Que horror terá
vivido?
Que amor fatal
perdido?
Que paixão malsã
amargado?
Esta alma já não
cospe
Em nenhuma face
horrenda.
Já despreza o
monstruoso.
O caótico e o temível
Já lhe são
indiferentes.
Não lhe causa
estranheza
A visão imediata das
mulheres.
Nem suscita-lhe a
surpresa
A tardia razão dos homens.
A espécie humana
extinta:
Eis a cena que
azucrina.
A beleza da
existência
Na lembrança
desvanece.
Deus em silêncio
secreto.
Os deuses escondidos
nos montes,
Os super-homens
tentando voar,
Os homens num sono
completo,
Os quase-homens
andando a esmo
E os sub-homens
sentados nos tronos.
Depois os bichos amam
E atravessam as
tempestades.
Um mundo de mímica
surge.
Parafernália,
parafernália.
Não sente a água esta
alma.
Sedenta por dentro e
por fora,
Segue como uma planta
Esquecida ao próprio
tempo.
Conhece o estômago
dos vermes
E as vísceras dos
insetos
E a terra e a
eternidade.
Se engole imoral a
moral.
A peçonha toma o
corpo dos anjos.
A ilusão se esvai.
Tudo o que é sagrado
Se faz em série.
Aplica-se
Injeta-se nos
corações.
Tudo o que é profano
Se apaga
Se subtrai aos
intelectos.
Os apocalipses na
memória das formigas
Destroem os formigueiros.
Ninguém regula
Iracema,
Iracema não regula
ninguém.
O quiabo acaba
Os quiasmos,
Na imaginação
circular dos poetas,
Se desfazem.
Percebe-se a mentira
da lógica.
Os homens dançam
Ouvindo Björk,
Fumando,
Cheirando,
Injetando,
Se acariciando e
morrendo.
3005 chega.
6005 passa.
20.005, janeiro,
fogos no Rio de Janeiro.
201.005, primavera –
Los Angeles – roller-coaster.
Esta alma não ri mais dos palhaços.
O circo sai da cidade
O palhaço fica
No seu desafio de
fazê-la rir. E nada.
É mais fácil fazê-la
jogar capoeira,
Lutar jiu-jitsu,
Ter um orgasmo sério.
Mas não ri – é
verdade – não ri.
O alinhamento dos
cabelos,
O formato das
cabeças,
A pequenez das
pupilas,
Os pelos pubianos,
O tamanho dos pênis,
O contorno das
vulvas.
Nada lhe faz rir.
O palhaço não
consegue,
Nem
com a ajuda de Baubo.