O
RIDÍCULO
O ridículo abre a
porta e invade o espaço.
Como é bom rir, dando
vazão à utilidade.
Mas o ridículo é tão
inútil.
Mas o ridículo é tão
hipócrita
Que já não cabe em
nenhum ambiente.
Com o tempo, quando
ele vencer pelo cansaço
Do seu fedor de
nicotina,
Do seu olhar doente e
distante,
Do seu silêncio avaro
E sua voz tão sublime
e econômica,
Sucumbiremos a ele
compadecidos.
Ele, tão inerte,
Tão pernóstico,
Tão underground,
Fará de conta que é
amado,
Mais do que faremos
que o amamos.
Oh, meu “Deus”,
por que esses seres horripilantes resistem tanto às conspirações? Não disseste
que a nossa voz era a tua voz? O que faremos com essa criatura que não ouve voz
alguma, como se os seus sentidos subitamente ficassem suspensos a uma altura
que não alcançamos?
O ridículo saiu e não
percebeu absolutamente nada!
SEDA RAIOM
Não sou bairrista nem tão saudosista para desejar estar nas
Perdizes novamente, nem viver os anos 30 ou os 50. Gosto da Vila Curuçá hoje, e
o melhor está por vir. As pessoas daqui são tão severas quanto alhures. Com a
diferença de que com a proximidade com a Arena Corinthians, temos batucada,
cervejada e churrasco quando o timão vence, o que, graças ao meu pai, acontece
com frequência. Com outra diferença: as pessoas daqui se sentem mais
solitárias, muitas abandonam o bairro, como eu abandonei por uns anos. Depois
retornam, e vem o paradoxo. Ou ficam por lá mesmo – e vem a identificação contraditória.
Abandonamos quando queremos diversão. E a Vila é lugar de
trabalho e reflexão independente. Restou-me apenas um amigo a quem poderia
revelar alguns segredos escabrosos e de quem ouviria outros tanto quanto. Uma
jornalista, conhecida das imediações, disse-me uma vez que por aqui não há
ninguém com quem se possa travar uma amizade.
É assim, nós vivemos nos odiando e falando do tempo como se
fôssemos meteorologistas, e de futebol como técnicos. Ouço e leio gente que se
pensa badalada, porque está falando na mídia, que as periferias como a nossa “têm
gente muito boa”. E fico me perguntando (sem acesso à mídia, é claro!)… Que
tipo de gente as pessoas pensam encontrar na Europa, na Ásia, na Oceania, por
exemplos?
Creio que nos colocam como extraterrestres porque “estamos
longe”. No entanto, confesso que hoje me sinto confortável porque me sinto
mesmo é longe do populacho. Aqui só tem gente fina. Gente que não se mistura: seja
na favela seja no condomínio mais bem-arranjado.
Quando usamos o serviço público, somos mais críticos dele
do que o Antônio Cândido era da literatura brasileira. E é assim que nasce o Seda Raiom.
O livro tenta arriscar numa avaliação de como me parecem as
gentes da Vila Curuçá, sua cultura, sua arquitetura, sua música, seu comportamento,
indumentária, alimentação, etc.
E cada vez que leio a obra me encanto mais com estas
gentes, quer apareçam carrancudas e fechadas ou desabridas e engraçadas – é
gente como qualquer gente que se acha pelo mundo, mas é uma gente única, porque
é a gente Curuçá: meu berço, minha ciclovia, meu parque, meu sertão.
O seu autor,
João
Rosa de Castro